sábado, 7 de fevereiro de 2009

Todas as formas de ser feliz

A felicidade tem muitas faces e há vários níveis de contentamento que podemos cultivar, segundo a milenar filosofia hindu. É possível reconhecer e acessar este tesouro interior, que garante um estado de bem-aventurança duradouro e menos dependente de variações de humor, emoção e fatos externos.


Difícil dizer o que é, mas, quando surge, ninguém tem dúvida. Afinal, se há uma unanimidade no mundo, é a de que todas as pessoas querem ser felizes. Do simples prazer proporcionado por um abraço amigo à alegria de contemplar a grandiosidade do céu azul, o que denominamos felicidade é um estado feito de emoções e sensações diferentes.

Mestres no assunto, budistas, hinduístas e escolas filosóficas, como a milenar ioga, estudaram e classificaram diversos níveis de felicidade. Para ter uma idéia, em sânscrito, antigo idioma hindu, existem pelo menos 30 palavras para descrevê-los. Entre elas, existe uma para identificar o prazer transitório (sukha), outra que indica o contentamento (santosha), uma para a felicidade espiritual (mudita) e uma quarta, que expressa a felicidade suprema (ananda).

Essas filosofias orientais ensinam que, embora o mundo exterior nos dê prazer e alegria, é possível acessar níveis mais profundos e duradouros de felicidade. A principal receita para isso é depender cada vez menos de pessoas e circunstâncias. “Quando baseamos nossa felicidade apenas no que está fora, ela rapidamente pode se tornar infelicidade. É o que acontece quando as expectativas num relacionamento amoroso são frustradas”, exemplifica César Deveza, professor de ioga de pós-graduação das Faculdades Metropolitanas Unidas, de São Paulo.

De dentro para fora

Preconizando a rota oposta, os mestres do Oriente afirmam que o caminho para ser feliz está dentro de cada um de nós e nada tem a ver com os fatos bons ou maus da vida. “Ser feliz é nossa verdadeira essência. Precisamos lembrar disso mil vezes ao dia. Assim como escavamos a terra para encontrar água, podemos desbastar as camadas de nosso ser até acessarmos esse tesouro a nossa espera”, revela o monge indiano Sunirmalananda, da Ordem Ramakrishna da Índia, que atualmente está em São Paulo.

Fazer ioga, meditação, manter uma prática espiritual e adotar certas mudanças de hábito e pontos de vista são algumas das técnicas que os especialistas recomendam para quem deseja trilhar esse caminho (veja quadro nas próximas páginas). Outro fator importante é compreender as diferenças entre os tipos de felicidade. Sukha, santosha, mudita e ananda, explicados a seguir, formam uma espécie de roteiro e mostram que, com treino e disposição, é possível acessar nosso tesouro interior e manter constante um estado de contentamento que depende exclusivamente de nós.

Em busca do essencial
Segundo a filosofia hindu, qualquer pessoa pode viver momentos cada vez mais profundos e duradouros de felicidade. O mestre Sunirmalananda descreve alguns passos importantes nesse caminho.

• Lembre-se de que dentro de você existe um manancial inesgotável de felicidade. Você é a própria essência da plenitude.

• A felicidade está presente aqui e agora. Procure lembrar-se disso várias vezes ao dia para renovar esse sentimento.

• Aceite tudo o que a vida coloca em seu caminho. Isso traz a paz instantânea, que é o início do contentamento.

• Não alimente centenas de desejos. Eles nos fazem andar em círculos sem chegar a lugar algum e nos deixam insatisfeitos.

• Não se culpe por seus erros. Por acaso uma bailarina fica se lamentando porque caiu dez vezes enquanto praticava? Ela continua dançando até ser bem-sucedida. Cair mil vezes e levantar faz parte da vida.

• Quando a mente está mais serena, você se torna senhor de seu mundo e deixa de ficar a reboque das emoções. Aquiete-se com métodos como meditação, ioga e exercícios de respiração.

• Pratique a ação consciente. Preste atenção no que você faz e como faz. Monitore seus pensamentos e sentimentos, especialmente quando causam sofrimento e dor. Tente entender os mecanismos que os geram. Crie o hábito de perceber a ventura que existe em tudo.

• Dê alegria aos outros. Essa é também uma forma de atraí-la.

• Desenvolva uma prática espiritual, ore. Isso traz paz.

Felizes à indiana

Saiba como os hindus classificam os tipos de felicidade e inspire-se!

Sukha, o prazer transitório

• Su: significa bom, excelente, certo, virtuoso, belo, fácil.
• Kha: é espaço, paraíso, cavidade, vazio.

Sukha descreve a felicidade rotineira, que alcançamos com experiências e sensações que nos dão o contentamento imediato, como ler um livro ou ir ao cinema. É a felicidade que cessa assim que o estímulo desaparece e é a que experimentamos com maior freqüência no dia-a-dia. Sukha expressa também a alegria proporcionada por um meio ambiente favorável e elementos e pessoas que identificamos como nosso porto seguro, nossa zona de conforto. “A alegria de estar rodeado por amigos ou pela família é uma forma de sukha. Voltar para o país depois de passar anos no exterior também”, exemplifica César Deveza, professor de ioga das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), de São Paulo.


Sukha.

Santosha, o contentamento
• Saò: o que reúne, o que integra.
• Toáa: satisfação, contentamento, prazer, alegria.

Santosha descreve a capacidade de manter o contentamento e a satisfação diante de qualquer situação, positiva ou negativa. É um estado que aquieta a mente e a agitação interior. “Esse tipo de felicidade decorre da compreensão de que as situações, fáceis ou difíceis, trazem alguma experiência para a alma e, portanto, devem ser aceitas e assimiladas”, diz Deveza. Aceitar o que somos e o que temos faz parte da natureza desse tipo de contentamento. Santosha ajuda a sair do padrão mental de se comparar aos outros, considerado pelo budismo e hinduísmo como uma das causas de infelicidade e insatisfação.

Santosha.

Mudita, a felicidade espiritual
• Mud: exultar, deleitar, sentir prazer.

Mudita é um estado de felicidade mais profundo que os anteriores. “A alegria que sentimos sem motivo aparente é uma das expressões de mudita. Essa felicidade vem do fundo da alma, transborda e dá a capacidade de enxergar beleza em todas as coisas, mesmo nas que aparentemente consideramos feias”, explica o swami Sunirmalananda, monge da Ordem Ramakrishna.

Mudita está ligada a pequenos momentos transcendentais, como a alegria que se expande subitamente de nosso coração e pode mudar de um minuto para outro nosso dia. Esse tipo de felicidade suscita ainda sentimentos nobres, como gratidão e plenitude. Os hindus afirmam que esse estado de felicidade pode ser cultivado e grande parte das práticas espirituais tem justamente essa finalidade. Algumas formas devocionais de ioga, como a bhakti-ioga, se dedicam a desenvolver a mudita como um exercício espiritual.

Mudita.

Ananda, a felicidade suprema
• Ä: em direção a, algo que permanece.
• Nand: regozijar, deleitar, estar satisfeito.

É o nível mais profundo de felicidade, o estado de felicidade absoluta. É quando você encarna a felicidade. Um exemplo claro do que é o ananda é o próprio dalai-lama. Segundo o vedanta, uma das filosofias do hinduísmo, ananda é a meta que deve ser alcançada por todos os seres. Esse estado de felicidade incondicional é a própria essência da felicidade, a que não depende de nada externo para existir. É a felicidade plena, imutável e eterna, o êxtase, a felicidade pela felicidade. “Essa é a felicidade que todos buscam, consciente ou inconscientemente. É a felicidade dos que atingiram a iluminação, mas, com meditação e ioga, pode ser alcançada por todas as pessoas”, garante o mestre Sunirmalananda.

Nos Vedas, os textos sagrados do hinduísmo, a ananda é descrita como nossa verdadeira natureza, o eu mais profundo – ou divino, como algumas filosofias e religiões a designam. Essa essência que nos pertence ficou escondida, mas pode ser recuperada com determinação e práticas adequadas, como ioga e meditação.

Ananda.
Ilustração: Carlo Giovani

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